O gaslighting não é um conceito novo. Mas começou a ganhar mais espaço nas sessões de terapia e nas rodas de conversa, incluindo nas pesquisas do Google. Tal pesquisa foi impulsionada por uma série de acontecimentos. Com destaque para a edição de 2022 do Big Brother Brasil.
Além disso, alguns movimentos feministas aproveitaram essa deixa para trazer o assunto à tona de formas diferentes. Não apenas para evidenciar que essa “manipulação” existe, mas também para mostrar que nem sempre ela é percebida de forma consciente. O que leva o indivíduo a uma série de dúvidas, medos e incertezas sobre o que é real ou não.
Desse modo, aqui vamos mostrar exatamente o que é essa violência e como ela pode ser identificada para evitar que você acabe em situações em que sempre sente culpa ou responsabilidade por tudo aquilo que o outro fez, falou ou causou.
Gaslighting: o que é?
A princípio, vamos ao conceito básico do termo: um tipo de violência psicológica que envolve a manipulação do outro. Neste cenário, é importante considerar também os demais conceitos que envolvem este.
Dessa forma, de acordo com a lei, a violência psicológica é caracterizada por causar um dano emocional, controle de emoções/comportamentos de terceiros ou demais. Por isso, envolve humilhações, causar medo, constrangimentos, ameaças, chantagens ou outras ações que prejudiquem a saúde mental.
Já a manipulação começa com o conceito de tocar ou transportar alguma coisa, bem como o manejo. Ao trazer isso para a manipulação de uma pessoa, significa induzir alguém a acreditar em alguma coisa ou a pensar de alguma forma. Assim, altera o pensamento original do sujeito e, para isso, pode mudar também a realidade.
Logo, o gaslighting é uma forma de induzir o outro enquanto provoca um sofrimento psicológico. Alterando, inclusive, a forma como o sujeito vive. Esse abuso psicológico é um dos mais comuns em relações tóxicas.
Conforme uma matéria do Merriam-Webster, comparando o ano de 2021 e 2022, ocorreu um aumento de mais de 1.700% na busca por esse termo nos sites de dicionários online.
Ainda segundo a pesquisa, grande parte dessa busca se deu pela confusão ao tentar entender o conceito. Já que é bem diferente da mentira. Inclusive, não há tradução e o termo também é usado na política.
A primeira vez que a palavra foi usada data de 1944 em um filme, com este nome. O longa nos apresenta um casal onde o homem tenta manipular todos à sua volta, inclusive a própria esposa, de que esta seria louca. Claro que isso é acompanhado pelas atividades suspeitas do homem no sótão, que ele não gostaria que fossem descobertas.
A transferência das responsabilidades e culpa
A mentira é uma das principais queixas do mundo atual. Muitos dizem que o avanço da tecnologia facilitou o processo de criar e sustentar uma mentira. Afinal, é fácil manter uma determinada aparência através das fotos nas redes sociais.
Entretanto, a mentira, de forma geral, é uma maneira de garantir algo para si mesmo e até para evitar algum tipo de sofrimento. Por exemplo, é aquela criança que aprende a mentir sobre ter quebrado um vaso para não ficar de castigo, o adolescente que mente porque sabe que não deveria ter feito tal coisa e até o adulto que pega um atestado (mesmo quando não está doente) para não trabalhar. Ou que finge que não tem ninguém em casa para não atender àquele que bate à porta.
Neste aspecto, existem mentiras mais problemáticas. Que podem causar algum tipo de problema.
Porém, o gaslighting vai além disso. O principal foco é transferir todas as responsabilidades e/ou culpa e pode levar o outro a duvidar de si, da sua própria sanidade.
Além disso, não é incomum que as pessoas que façam isso tenham um discurso bem elaborado. Logo, são pessoas que sabem o que dizer para atingir os outros sem que estes percebam. Tudo “por baixo dos panos”. Com isso, são pessoas que passam por boas e que muitos chegam a duvidar que sejam mal-intencionados. Tudo isso dificulta ainda mais a identificação dos praticantes.
Casos comuns
Retomando o acontecido no BBB21, um dos participantes foi acusado (principalmente pelo público), de cometer o gaslighting com outras participantes da casa. Na época dos fatos, o então foi notado que o “brother” sempre usava adjetivos para reduzir as demais participantes, que invertia as próprias falas e a dos demais.
Inclusive, muitos destacaram que talvez esse seria o motivo dele trair a esposa e ela sempre o perdoar: a capacidade de distorcer os fatos e manipular a ponte de que os outros duvidarem até daquilo que tinham certeza.
É válido destacar que também havia aqueles que defendessem o participante e ele chegou a ser um dos grandes favoritos do programa.
A partir disso, podemos trazer outros casos comuns que envolvem o gaslighting. Suponha que um casal começa a discutir porque a mulher acredita que o homem esteja “ficando” com outra mulher. Então, ela começa a buscar indícios que comprovem tal situação.
Quando isso acontece, o homem que faz essa manipulação começa a não apenas jurar que tudo aquilo é mentira, mas que ela está “vendo coisas”. Além disso, começa a dizer que ela o está culpando por ela mesmo estar traindo, como se isso aliviasse a culpa.
Em alguns casos, essa manipulação é tão problemática que a mulher realmente duvida da própria sanidade, acreditando que está louca. Da mesma maneira, isso fortalece a crença no manipulador, que passa a fazer mais coisas sem culpa nenhuma.
Quando a traição é comprovada, o gaslighting não termina, mas pode ficar ainda mais evidente. Geralmente, o homem busca “coisas” na parceira para culpá-la por ele trair. Como dizer que ela se recusava a fazer sexo, que não o satisfazia, culpa a imagem dizendo que ela gosta feia/gorda ou mesmo que as brigas constantes o “jogaram nos braços de outra”.
Quem pratica gaslighting?
O gaslighting pode ser praticado por qualquer pessoa. Isso porque o foco está em desestabilizar o outro, levando-o a dúvidas. Assim, acontece nos grupos de amigos, núcleos familiares, relacionamentos amorosos e demais.
Quando é praticado por filhos em relação aos pais, é comum dizer que os genitores não foram bons como responsáveis, que cometeram tal ato porque não foi ensinado, etc. muitos chegam a dizer que o fato que cometerem roubos, fraudes e assassinatos, é porque os pais não disseram como deveriam levar a vida.
Também é comum nas pessoas que possuem algum tipo de posição superior. Como supervisores e chefes, bem como políticos. Essas pessoas já possuem um discurso pronto e de alta qualidade para distorcer fatos. Principalmente se o foco é fazer o outro duvidar da própria competência ou de coisas que já aconteceram.
É importante validar que essa ação de manipulação não está baseada em dados corretos e comprovados, mas sim naquilo que é interessante para quem o pratica. Ou seja, possui duas vertentes:
· Benefício próprio e
· Prejuízo do outro.
Por que é mais comum que os homens façam isso?
Ainda que seja praticado por qualquer indivíduo, de qualquer gênero, o mais comum é que seja uma ação masculina.
Porém, não existem estudos exatos que comprovem isso ou mesmo os motivos. Por exemplo, é comum entre os narcisistas, mas não quer dizer que todos farão da mesma maneira.
Com isso, pode ser algo pontual, que acontece em uma determinada situação. Porém, frequentemente, é algo recorrente, causando um desequilíbrio no outro.
Da mesma maneira, há uma cultura de que os homens devem ser “superiores”, de que são mais inteligentes, mais fortes e que, por isso, devem ter aquilo que querem. Em contraponto, existe a frequente história de que a “mulher é louca”. Isso pode contribuir para ter uma percepção mais ampla das coisas.
Como saber se eu sofro gaslighting?
O gaslighting nem sempre pode ser identificado facilmente, já que o indivíduo que o sofre começa a evitar a tomada de decisões, até as mais simples, dúvida de si e desconfia dos próprios pensamentos.
Ao mesmo tempo, isso eleva o apego com o parceiro ou aquele que comete a manipulação. Já que acredita que ele detém a verdade e que está apenas “mostrando-a” a você. Como resultado, quebrar esse vínculo fica ainda mais difícil.
Esse ciclo faz com que qualquer rompimento seja cada vez mais difícil.
Não é incomum que o parceiro abusivo largue a vítima e esta se sinta completamente desamparada. Logo, ele faz tudo aquilo que quer e, quando não tem mais nada ou precisa de alguma coisa, faz o “favor” de voltar para ela.
Então, fica a dúvida de como exatamente perceber que algo está errado, seja no início dessa relação (de qualquer tipo) ou mesmo quando já estão nessa situação há algum tempo.
Geralmente, o gaslighting começa com coisas mais simples, mas vão sendo agravadas para assuntos mais sérios.
Por exemplo, pode começar com ele dizendo que você não guardou as chaves do carro no local correto e chegar ao ponto de dizer que foi você quem estragou o móvel/carro. Isso mesmo quando você o viu fazendo isso. Porém, o agressor consegue manipular a história.
Sinais
Na prática, os principais sinais de que você está sofrendo essa manipulação incluem:
· Mentiras constantes;
· Nega a realidade;
· Ameaças e/ou chantagem;
· Falas como “a culpa foi sua”, “fiz por você” ou “você me obrigou a isso”;
· Incoerências constantes, sempre dizendo uma coisa e depois outra;
· Fala de forma amável e demonstra carinhos quando você está vulnerável (por causa dele);
· Exaustão mental;
· Você se sente pressionada a agir de uma determinada maneira;
· Muda a forma de agir quando o outro está próximo ou mesmo distante dele;
· É acusada por coisas descabidas, mesmo sem motivo algum e de uma hora para outra;
· Ele te envolve em situações de humilhação e constrangimentos;
· Chantagens emocionais, etc.
Por isso, se você percebeu alguns desses sinais ou mesmo se tiver dúvidas quanto a estar, ou não lidando com alguém que pratica o gaslighting, procure um psicólogo agora.
Como se defender de um gaslighting?
Para se defender de um agressor psicológico, especificamente aquele que pratica o gaslighting, é importante entender que existem diferentes técnicas usadas para manipular você. Dentre elas, podemos destacar 5 mais comuns:
· Contestação: quando ele questiona a mentalidade/memória. Exemplo: “você está enganada, não foi assim”;
· Negação: sempre que ele tenta impedir que você fale, se nega a ouvir ou finge que não entende. Exemplo: “não quero mais ouvir/falar disso”;
· Banalização: mais comum no início, é marcado por desvalorizar sentimentos, falas e necessidades do outro. Exemplo: “você está sensível demais, vai brigar por isso?”;
· Desvio: ato de mudar a perspectiva ou assunto e questionar o outro, geralmente retorna a coisas passadas. Exemplo: “foi a sua amiga que te falou isso” ou “você só está dizendo isso porque fez tal coisa comigo”;
· Esquecimento: também muito comum, é o ato de fingir que não se lembra ou negar tudo. Exemplo: “eu nunca disse/prometi isso” ou “não tenho ideia do que está dizendo, não me lembro”.
Frequentemente, essas técnicas são usadas em conjunto, em uma mesma fala ou durante um mesmo discurso, ou discussão.
Por exemplo, quando você diz que ele a traiu e o agressor começa a dizer que: você está agindo de tal maneira por influência de amigos/familiares, que nunca havia prometido exclusividade (mesmo que a tenha pedido em namoro) e que você está exagerando, já que foi só um “casinho”.
Não caia nessa armadilha
Dessa forma, para se defender, o primeiro passo é admitir que isso pode estar acontecendo. Caso contrário, acabará sempre duvidando de si mesma.
Ao mesmo tempo, é importante admitir que não tem culpa, que o outro é um agressor que o está manipulando. Além disso, é importante não assumir uma responsabilidade que não é sua. Se o outro errou, cabe a ele arcar com essa culpa e com as consequências.
Lembrar da própria verdade e não discutir com o outro da mesma maneira é essencial. Já que isso pode fazer com que ele foque em outras tentativas de manipulação.
Mas é importante sempre priorizar a sua segurança. Se notar qualquer sinal de gaslighting e/ou agressividade física, isso inclui as ameaças de fazer algo, apenas recue e aguarde. Quando estiver em uma situação mais segura, busque ajuda.
É crime
Ao contrário do que muitos pensam, praticar sofrimentos psicológicos é caracterizado como conduta de violência doméstica e, por isso, está enquadrado na Lei Maria da Penha, mais especificamente no artigo 7. Portanto, denuncie!
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